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‘Revoluções não são feitas por pessoas pacientes’, diz fundador do Greenpeace, ONG que completa 50 anos

RIO — No início era um bando de hippies; hoje, é a maior organização ambiental do planeta. Em 50 anos, o Greenpeace tornou-se onipresente em discussões de temas como biodiversidade, conservação dos oceanos e aquecimento global.

Rex Weyler, de 73 anos, americano naturalizado canadense, é um dos principais articuladores da organização, que celebra seu aniversário com o documentário “A História do Greenpeace”, já disponível em streaming no Curta!On, e que será lançado nesta sexta-feira no canal Curta!.

Em entrevista ao GLOBO, Weyler diz que não há como dialogar com Bolsonaro e faz um balanço sobre a atuação da ONG.

Como nasceu o Greenpeace?

Nós éramos um movimento pacifista — americanos que resistiam à Guerra do Vietnã, jovens canadenses, ativistas de direitos civis, reunidos em Vancouver. Não havia um grande movimento ambiental. Passamos a fazer isso depois de encontros em que todos terminavam dizendo “peace” (paz) e um amigo acrescentou “green” (verde). Aquilo soou certo, passou a ideia de ecologia. Viramos o Greenpeace. Um dia resolvemos navegar até o Alasca porque os Estados Unidos anunciaram que fariam um teste nuclear em uma ilha da região, e todos temiam que aquilo provocasse um tsunami. Alugamos um barco pesqueiro e fomos com 12 pessoas a bordo, inclusive jornalistas. Por causa do mau tempo, não chegamos ao nosso destino, mas conseguimos chamar atenção da mídia.

Uma das imagens mais associadas ao Greenpeace é a de ativistas em botes enfrentando baleeiros. Como surgiu essa iniciativa?

Foi a nossa primeira grande campanha internacional. Ouvimos falar que mais de 100 mil baleias eram mortas todos os anos, em uma caça conduzida por um bloco de nações como Rússia, Islândia, Japão e Noruega. Transformamos a baleia em um símbolo de ecologia, porque é um animal bonito e amado pelas pessoas, e mostramos à sociedade que precisávamos de uma mobilização pelos animais, da mesma forma como havia movimentos por direitos humanos. O problema é que não sabíamos onde as baleias passavam no oceano. Então um de nossos membros, que era cientista, atuou como espião e foi à biblioteca da Comissão Baleeira, na Noruega, e nos informou sobre o caminho seguido pelos navios. E nós fomos atrás com barcos infláveis, que eram velozes, e manobrávamos para ficar entre as baleias e os baleeiros.

Você não tinha medo de morrer?

Só percebi esse risco quando na minha primeira viagem vi que a tripulação do baleeiro poderia atirar o arpão em nós. E eles fizeram isso bem sobre nossas cabeças, foi um estrondo. Havia um cabo conectado ao arpão que passou bem ao lado do bote. Poderia nos matar facilmente.

As viagens eram perigosas, mas importantes. Se você quer mudar a forma como as coisas ocorrem no mundo, você não pode apenas conversar, dizer que as baleias estão morrendo. Não haveria o mesmo efeito. Quando as pessoas viram as nossas fotos no mar, o bote, o arpão, o sangue na água, isso foi o que fez diferença.

No documentário, você diz que é preciso buscar sempre novas formas de contar uma história.

Eu era jornalista, e Bob Hunter (fundador e primeiro presidente da ONG, morto em 2005) também era. Sabíamos desde o começo que precisávamos nos reinventar para manter o público interessado. Às vezes os movimentos ambientais, mesmo hoje, não percebem isso. Então as pessoas ficam cansadas porque ouvem falar incessantemente, e da mesma forma, sobre aquecimento global, por exemplo. Só que temos que continuar falando sobre isso porque esta crise está entre nós.

As mudanças climáticas são o maior desafio ambiental de nosso século, mas não têm uma imagem tão forte como o combate a testes nucleares. Como, então, você pode retratá-las à sociedade?

Normalmente se exibe o derretimento do gelo, o urso polar sobre uma camada fina. OK, até funciona. Há outras imagens poderosas, como a terra seca em locais onde havia rios. Mas é um dever complicado. Até porque normalmente as pessoas só querem saber de si próprias, de sua comunidade. Não se preocupam com a perda de uma floresta — “são só árvores por que me importaria?”. Ou então com a morte de pássaros — “há muitas aves, e daí?”. O homem e os animais domésticos consomem 96% de todos os recursos para mamíferos que existem no planeta. Sobram apenas 4% para o resto — ursos, tigres, leões, entre tantas outras espécies. No Brasil, por exemplo, as pessoas acham mais importante o crescimento econômico do que o meio ambiente. Por isso, o seu presidente (Jair Bolsonaro) pode continuar incendiando a floresta. Se queimasse propriedades privadas, certamente a reação da sociedade seria outra.

Bolsonaro já disse que não consegue “matar esse câncer chamado ONG que tem na Amazônia”. Já tentou, ou pensa em procurar dialogar com ele?

Não. É um caso perdido. Bolsonaro está interessado em explorar os recursos naturais para os mais ricos, à revelia dos mais pobres. Não é diferente de um rei do século XII. Infelizmente há outros governantes. Nos EUA, por exemplo, havia aquele cara (o ex-presidente Donald Trump). A exploração do meio ambiente, tal como é feita agora, dá ganhos imediatos para esta oligarquia, mas custará caro, e a toda a Humanidade, a longo prazo.

Você foi um dos fundadores do Greenpeace. Se pudesse voltar no tempo, faria algo diferente?

Em geral, não. Acho que fizemos exatamente o que deveríamos ter feito. Os erros que cometemos foram pessoais. Por exemplo, às vezes não dedicamos tempo suficiente para construir relações políticas. Aprendi que isso leva muito tempo. Por outro lado, estamos em uma crise, e nesse contexto você tem que agir rápido. Na História, muitas vezes as revoluções políticas, culturais e sociais não são feitas por pessoas pacientes, e sim por quem reconhece uma crise e faz pressão por mudanças.

O Globo

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