A ameaça das águas
Pela primeira vez em sua história, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou um relatório que analisou, separadamente, a situação dos oceanos no cenário de mudanças climáticas. O resultado do trabalho que durou aproximadamente três anos e contou com mais de 100 especialistas de 30 países é alarmante: na última década o nível do mar cresceu três vezes mais rápido que o esperado e, caso nada mude em relação à quantidade de gases de efeito estufa emitidos na atmosfera, até 2.100 o nível do oceano aumentará um metro. Isso significa que cidades costeiras desapareceriam completamente e milhões de pessoas teriam de ser removidas dessas regiões. O estudo foi encomendado por países com extensas áreas litorâneas que vão ser mais diretamente impactados pelas mudanças climáticas. “O Brasil é muito vunerável porque possui grandes áreas de costa. Os prejuízos socioeconômicos podem ser enormes por causa dos efeitos do clima na economia pesqueira e em infraestruturas próximas ao mar”, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC. “Precisamos urgentemente de planos de longo prazo, com ações coordenadas entre governos e ministérios”, diz ele.
Derretimento
O relatório compilou dados de pesquisas científicas recentes que analisaram o impacto do aquecimento global no nível e na temperatura dos oceanos, no derretimento de calotas polares e de áreas de gelo sobre montanhas. O permafrost, por exemplo, solo permanentemente congelado feito de terra, gelo e rocha, está se dissolvendo mais aceleradamente e, nesse ritmo, vai liberar na atmosfera mais de 1,5 mil gigatoneladas de gases de efeito estufa, o que corresponde praticamente ao dobro do carbono já existente. Outro dado constatado pelo relatório é o aumento da temperatura dos oceanos, o que causa uma forte redução no nível do oxigênio nas águas. O aquecimento médio está na ordem de 1° C, mas em algumas regiões, como no oceano Atlântico tropical, chega a 1,2° C. “Pode acontecer uma extinção em massa da vida nos oceanos. Além disso, esse fenômeno intensifica a frequência e a intensidade de furacões, que se alimentam do calor do oceano”, diz Paulo Artaxo.
Em algumas regiões, o degelo está levando as autoridades a acenderem o sinal amarelo e adotarem medidas para se prevenirem de catástrofes humanitárias. É o caso da geleira Planpincieux, localizada no lado italiano da montanha Mont Blanc, a mais alta da Europa. Na terça-feira 24, o prefeito da cidade vizinha de Courmayeur, Stefano Miserocchi, alertou em um comunicado que um trecho com quase 250 mil m3 de gelo está em risco de desabamento. Por isso, estradas foram fechadas e moradores foram retirados de suas aldeias. No domingo 22, foi a Suíça que realizou um ato simbólico para chamar a atenção sobre os efeitos do aquecimento global: uma cerimônia lamentando a morte da geleira Pizol, uma das mais pesquisadas no mundo. A 2.700 metros de altitude, cerca de 250 manifestantes se reuniram para se despedirem. Enfim o mundo começa a entender a gravidade do aquecimento global. Já que evitá-lo não é mais possível, que não seja tarde demais para ao menos amenizar os seus efeitos.
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